terça-feira, 6 de maio de 2025

Mementum Mori

 

Mementum Mori

Memoria vitae

Hoje dei inicio ao meu dia como em qualquer outro: o celular despertou, suspirei em desagrado por acordar de um sonho – diga-se de passagem muito bom – e em seguida fui a meus afazeres cotidianos até o momento de ir para o trabalho. As conversas se iniciaram como de conforme, cedo e nos primeiros horários do dia e, como sempre, algumas deixei para ouvir em outro momento, visto que não me parecia mais do mesmo.

Lá pelas tantas uma mensagem perguntando se eu havia escutado determinado audio me chamou à atenção; eu não havia ouvido o audio e ele não traria boas novas e a partir desse momento minha mente tornou-se reflexiva como há muito não me ocorria e só uma pergunta se fazia pertinente: “O que significa a morte? Ou vida.”

Acontece que esse audio contava sobre um AVC sofrido por um dos meus tios e isso me trouxe lembranças outrora desvanecidas de momentos semelhantes e a imersão deu-se inicio. Eu não era tão próximo a esse meu tio, in facto  não nos viamos há pelo menos 9 anos; mas isso significa alguma coisa? Deveria significar alguma coisa? Particularmente eu não tenho esse tipo de resposta, tudo que eu consegui sentir foi que aos poucos a tristeza, com a qual escrevo esse texto agora, tomava conta de mim a cada minuto passado.

Nós eramos amigos, nós tinhamos histórias, sorrisos e gargalhadas juntos; só não éramos mais próximos e por isso o luto se fez parte.

Mas como o título do texto diz, eu não estou aqui para celebrar as memórias da morte e sim as memórias de vida, e esse texto é exatamente sobre isso mesmo que inicialmente não pareça.

A morte nos faz lembrar de como é viver; eu e esse tio, junto com minha irmã e outros primos, já enchemos a cara, ele saia durante a noite ‘escondido’ para pegar folhas de laranjeira pra fazer um chá pra todos nós e é por causa disso que minha memória afetiva com esse chá especifico se faz tão forte; foram muitos momentos bons. Nós iamos para o rio todos juntos, acompanhei algumas cenas das quais não posso citar nesse texto, mas o mais importante é que eu tenho certeza que se nós nos encontrassemos hoje ele me receberia com o mesmo sorriso no rosto e satisfação, e faria alguma piada sobre eu estar mais gordo, sobre como fazia tempo que nós não conversavamos e é isso.

Percebe que não são necessários dias de contato para que possamos celebrar uma vida de alguém querido? Aonde se fazem detalhes é onde devemos celebrar. Eu não gostaria de passar um dia com ele, mas certamente gostaria de passar 15 minutos conversando e relembrando alguns momentos do passado, porquê seria suficiente e reaveria o sentimento satisfatório de que ‘eu posso contar com essa pessoa’.

Passado a tristeza mediante à escrita eu devo dizer que viver é bom demais, como uma pessoa que quase já passou o véu algumas vezes hoje eu consigo ser feliz vivendo minha vida confusa; eu tenho ótimos amigos, eu acho que sou um bom amigo para os mesmos e atualmente eu me sinto no meu melhor momento.

A morte é o ponto final para algo bom.

Essa frase parece complexa, mas ela exemplifica o que nós somos e para o que nós vivemos e é por isso que sinto a necessidade de celebrar em vida a morte de um ente querido. Não por não gostar ou não ser mais próximo, mas para que – mesmo  in mortus – ele conta de forma espiritual ser recebido com o mesmo carinho que viveu aqui.

Nós não podemos julgar defeitos, nós não podemos julgar acertos, nós podemos sentir desgosto ou gratidão por todas as pessoas que passam por nossa vida. E eu tenho comigo que mesmo aqueles que nos geram sentimentos de raiva ou ódio têm a mesma relevância para com aqueles que nós sentimos carinho e amor, pois os dois extremos ensinam coisas de formas opostas.

Eu não quero me extender muito mais nesse texto pois imagino que a mensagem esteja clara; mas quero deixar aqui uma ultima mensagem que diz:
                        Mande mensagem, ria, chore, passe raiva, grite, zoe... Sinta.

            Eu não conheço suas experiências mas pode ter certeza que em todos os momentos – de forma onisciente (eu não quero ser Deus, a mensagem é outra) – eu estou presente com você para lhe dar suporte. Eu não preciso conhecer todas as pessoas pra desejar felicitações – e mesmo ódio, porquê nem todos merecem amor.

 

            Para finalizar eu quero deixar uma parte da melhor música do Raul Seixas com vocês:

Oh morte, tu que és tão forte
Que matas o gato, o rato e o homem
Vista-se com a tua mais bela roupa quando vieres me buscar
Que meu corpo seja cremado e que minhas cinzas alimentem a erva
E que a erva alimente outro homem como eu
Porque eu continuarei neste homem
Nos meus filhos, na palavra rude
Que eu disse para alguém que não gostava
E até no uísque que eu não terminei de beber aquela noite

 

Seixas, Raul – Canto para minha morte.

 

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