Mementum Mori
Memoria
vitae
Hoje dei inicio ao
meu dia como em qualquer outro: o celular despertou, suspirei em desagrado por
acordar de um sonho – diga-se de passagem muito bom – e em seguida fui a meus
afazeres cotidianos até o momento de ir para o trabalho. As conversas se
iniciaram como de conforme, cedo e nos primeiros horários do dia e, como
sempre, algumas deixei para ouvir em outro momento, visto que não me parecia
mais do mesmo.
Lá pelas tantas uma
mensagem perguntando se eu havia escutado determinado audio me chamou à
atenção; eu não havia ouvido o audio e ele não traria boas novas e a partir
desse momento minha mente tornou-se reflexiva como há muito não me ocorria e só
uma pergunta se fazia pertinente: “O que significa a morte? Ou vida.”
Acontece que esse audio
contava sobre um AVC sofrido por um dos meus tios e isso me trouxe lembranças
outrora desvanecidas de momentos semelhantes e a imersão deu-se inicio. Eu não
era tão próximo a esse meu tio, in facto não nos viamos há pelo menos 9 anos; mas isso
significa alguma coisa? Deveria significar alguma coisa? Particularmente eu não
tenho esse tipo de resposta, tudo que eu consegui sentir foi que aos poucos a
tristeza, com a qual escrevo esse texto agora, tomava conta de mim a cada
minuto passado.
Nós eramos amigos,
nós tinhamos histórias, sorrisos e gargalhadas juntos; só não éramos mais
próximos e por isso o luto se fez parte.
Mas como o título do
texto diz, eu não estou aqui para celebrar as memórias da morte e sim as
memórias de vida, e esse texto é exatamente sobre isso mesmo que inicialmente
não pareça.
A morte nos faz
lembrar de como é viver; eu e esse tio, junto com minha irmã e outros primos, já
enchemos a cara, ele saia durante a noite ‘escondido’ para pegar folhas de laranjeira
pra fazer um chá pra todos nós e é por causa disso que minha memória afetiva
com esse chá especifico se faz tão forte; foram muitos momentos bons. Nós iamos
para o rio todos juntos, acompanhei algumas cenas das quais não posso citar nesse
texto, mas o mais importante é que eu tenho certeza que se nós nos
encontrassemos hoje ele me receberia com o mesmo sorriso no rosto e satisfação,
e faria alguma piada sobre eu estar mais gordo, sobre como fazia tempo que nós
não conversavamos e é isso.
Percebe que não são
necessários dias de contato para que possamos celebrar uma vida de alguém
querido? Aonde se fazem detalhes é onde devemos celebrar. Eu não gostaria de
passar um dia com ele, mas certamente gostaria de passar 15 minutos conversando
e relembrando alguns momentos do passado, porquê seria suficiente e reaveria o
sentimento satisfatório de que ‘eu posso contar com essa pessoa’.
Passado a tristeza
mediante à escrita eu devo dizer que viver é bom demais, como uma pessoa
que quase já passou o véu algumas vezes hoje eu consigo ser feliz vivendo minha
vida confusa; eu tenho ótimos amigos, eu acho que sou um bom amigo para
os mesmos e atualmente eu me sinto no meu melhor momento.
A morte é o
ponto final para algo bom.
Essa frase parece
complexa, mas ela exemplifica o que nós somos e para o que nós vivemos e é por
isso que sinto a necessidade de celebrar em vida a morte de um ente querido.
Não por não gostar ou não ser mais próximo, mas para que – mesmo in mortus – ele conta de forma espiritual
ser recebido com o mesmo carinho que viveu aqui.
Nós não podemos
julgar defeitos, nós não podemos julgar acertos, nós podemos sentir desgosto ou
gratidão por todas as pessoas que passam por nossa vida. E eu tenho comigo que
mesmo aqueles que nos geram sentimentos de raiva ou ódio têm a mesma relevância
para com aqueles que nós sentimos carinho e amor, pois os dois extremos ensinam
coisas de formas opostas.
Eu não quero me
extender muito mais nesse texto pois imagino que a mensagem esteja clara; mas
quero deixar aqui uma ultima mensagem que diz:
Mande mensagem, ria, chore, passe raiva, grite, zoe...
Sinta.
Eu não
conheço suas experiências mas pode ter certeza que em todos os momentos – de forma
onisciente (eu não quero ser Deus, a mensagem é outra) – eu estou presente com
você para lhe dar suporte. Eu não preciso conhecer todas as pessoas pra desejar
felicitações – e mesmo ódio, porquê nem todos merecem amor.
Para
finalizar eu quero deixar uma parte da melhor música do Raul Seixas com vocês:
Oh morte, tu que és tão forte
Que matas o gato, o rato e o homem
Vista-se com a tua mais bela roupa quando vieres me buscar
Que meu corpo seja cremado e que minhas cinzas alimentem a erva
E que a erva alimente outro homem como eu
Porque eu continuarei neste homem
Nos meus filhos, na palavra rude
Que eu disse para alguém que não gostava
E até no uísque que eu não terminei de beber aquela noite
Seixas, Raul – Canto para minha morte.